24/12/2012

Frases e Pensamentos de Fernando Pessoa



  • Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada.
  • O Poeta é um fingidor,finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
  • Quero para mim o espírito desta frase,transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
  • Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande,ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
  • Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente - perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.
  • O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
  • A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.
  • A arte é a auto-expressão lutando para ser absoluta.
  • A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são.
  • A fé é o instinto da ação.
  • A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
  • A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.
  • A renúncia é a libertação. Não querer é poder.
  • A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.
  • Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.
  • Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?.
  • Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
  • Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?
  • As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.
  • As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
  • Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu ?
  • Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria. 
  • De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.
  • Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.
  • Deus quer, o homem sonha e a obra nasce.
  • E que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio. 
  • E que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
  • Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.
  • Eu sou aquilo que perdi.
  • Eu sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.
  • Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde. 
  • Haja ou não deuses, deles somos servos.
  • Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
  • Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.
  • Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.
  • Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.
  • Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.
  • Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...
  • O Homem é do tamanho do seu sonho.
  • O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é.
  • O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.
  • O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.
  • O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.
  • O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
  • O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.
  • O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.
  • O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.
  • O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
  • O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
  • O verdadeiro cadáver não é o corpo (...), mas aquilo que deixou de viver(...)
  • Os homens são fáceis de afastar. Basta não nos aproximarmos.
  • Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
  • Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar..
  • Para sêr grande, sêr inteiro; nada teu exagera ou exclui; sêr todo em cada coisa; põe quanto és no mínimo que fazes; assim em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive. 
  • Para viajar basta existir.
  • Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.
  • Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.
  • Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.
  • Quero para mim o espírito desta frase,transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
  • Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
  • Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias.
  • Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio.
  • Sinto-me nascido a cada momento / Para a eterna novidade do Mundo....
  • Tenho em mim todos os sonhos do mundo. 
  • Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.
  • Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.
  • Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.
  • Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.
  • Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.
  • Tuda vale a pena quando a alma não é pequena.
  • Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão...
  • Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.
  • Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.
  • Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo...
  • Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
  • Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.
  • Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.
  • Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte.
  • Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
  • Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
  • É Talvez o Último Dia da Minha Vida, o de ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.


É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada. 


O poeta é um fingidor. Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente. 


Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência, não pensar...
Navegar é Preciso 
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:   
"Navegar é preciso;  viver não é preciso".  

Quero para mim o espírito [d]esta frase,  
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário;  o que é necessário é criar. 
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. 
Só quero torná-la grande,  
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse
fogo.  

Só quero torná-la de toda a humanidade;  
ainda que para isso tenha de a perder como minha. 
Cada vez mais assim penso.  

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue  
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir 
para a evolução da humanidade.  

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. 
Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :  "Fui  eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Vendaval
Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração! 
Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!  

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.  

Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!  

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!  

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu penssamento
Para ele morrer?
 

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!  

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo. 

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!  

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada! 
Canção 
Silfos ou gnomos tocam?...
Roçam nos pinheirais
Sombras e bafos leves
De ritmos musicais.
Ondulam como em voltas
De estradas não sei onde
Ou como alguém que entre árvores
Ora se mostra ou esconde. 

Forma longínqua e incerta
Do que eu nunca terei...
Mal oiço e quase choro.
Por que choro não sei. 

Tão tênue melodia
Que mal sei se ela existe
Ou se é só o crepúsculo,
Os pinhais e eu estar triste. 

Mas cessa, como uma brisa
Esquece a forma aos seus ais;
E agora não há mais música
Do que a dos pinheirais.
As tuas mãos terminam em segredo
As tuas mãos terminam em segredo.
Os teus olhos são negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo...

Entre buxos e ao pé de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.

Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor.

Será o haver cais num mar distante...
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo à rosa do Levante !
Não digas nada! 
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender - 
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer 
 
 
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.  
Põe-me as mãos nos ombros 
Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.
Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho. 

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.
Teus olhos entristecem
Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso. 

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.
Eros e Psique 
...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
 (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio
 Na Ordem Templária De Portugal) 

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.  

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.  

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.  

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.  

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.  

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia. 
Ao longe, ao luar
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela ?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça ?
Que amor não se explica ?
É a vela que passa
Na noite que fica.
Andei léguas de sombra
Andei léguas de sombra
Dentro em meu pensamento.
Floresceu às avessas
Meu ócio com sem-nexo,
E apagaram-se as lâmpadas
Na alcova cambaleante.
Tudo prestes se volve
Um deserto macio
Visto pelo meu tato
Dos veludos da alcova,
Não pela minha vista.
Há um oásis no Incerto
E, como uma suspeita
De luz por não-há-frinchas,
Passa uma caravana.

Esquece-me de súbito
Como é o espaço, e o tempo
Em vez de horizontal
É vertical.

              
 A alcova
Desce não se por onde
Até não me encontrar.
Ascende um leve fumo
Das minhas sensações.
Deixo de me incluir
Dentro de mim. Não há
Cá-dentro nem lá-fora.

E o deserto está agora
Virado para baixo. 


A noção de mover-me
Esqueceu-se do meu nome.
Na alma meu corpo pesa-me.
Sinto-me um reposteiro
Pendurado na sala
Onde jaz alguém morto.

Qualquer coisa caiu
E tiniu no infinito.
Arvore verde
Meu pensamento
Em ti se perde.
Ver é dormir
Neste momento.
Que bom não ser
'Stando acordado !
Também em mim enverdecer
Em folhas dado !

Tremulamente
Sentir no corpo
Brisa na alma !
Não ser quem sente,
Mas tem a calma.

Eu tinha um sonho
Que me encantava.
Se a manhã vinha,
Como eu a odiava !

Volvia a noite,
E o sonho a mim.
Era o meu lar,
Minha alma afim.

Depois perdi-o.
Lembro ? Quem dera !
Se eu nunca soube
O que ele era.
Deixa-me ouvir o que não ouço... 
Deixa-me ouvir o que não ouço...
Não é a brisa ou o arvoredo;
É outra coisa intercalada...
É qualquer coisa que não posso
Ouvir senão em segredo,
E que talvez não seja nada...

Deixa-me ouvir... Não fales alto !
Um momento !... Depois o amor,
Se quiseres... Agora cala !

Tênue, longínquo sobressalto
Que substitui a dor,
Que inquieta e embala...

O quê? Só a brisa entre a folhagem?
Talvez... Só um canto pressentido?
Não sei, mas custa amar depois...
Sim, torna a mim, e a paisagem.

E a verdadeira brisa, ruído...
Vejo-me, somos dois...
Dorme, criança, dorme 
Dorme, criança, dorme,
Dorme que eu velarei;
A vida é vaga e informe,
O que não há é rei.
Dorme, criança, dorme,
Que também dormirei.
Bem sei que há grandes sombras
Sobre áleas de esquecer,
Que há passos sobre alfombras
De quem não quer viver;
Mas deixa tudo às sombras,
Vive de não querer.
Vou com um passo como de ir parar 
Vou com um passo como de ir parar
Pela rua vazia
Nem sinto como um mal ou mal-'star
A vaga chuva fria...
Vou pela noite da indistinta rua
Alheio a andar e a ser
E a chuva leve em minha face nua
Orvalha de esquecer ... 

Sim, tudo esqueço.Pela noite sou
Noite também
E vagaroso eu ...] vou,
Fantasma de magia. 

No vácuo que se forma de eu ser eu
E da noite ser triste
Meu ser existe sem que seja meu
E anônimo persiste ... 

Qual é o instinto que fica esquecido
Entre o passeio e a rua?
Vou sob a chuva, amargo e diluído
E tenho a face nua.
Leve no cimo das ervas 
Leve no cimo das ervas
O dedo do vento roça...
Elas dizem-me que sim...
Mas eu já não sei de mim
Nem do que queira ou que possa.
E o alto frio das ervas
Fica no ar a tremer...
Parece que me enganaram
E que os ventos me levaram
O com que me convencer.

Mas no relvado das ervas
Nem bole agora uma só.
Porque pus eu uma esperança
Naquela inútil mudança
De que nada ali ficou?

Não: o sossego das ervas
Não é o de há pouco já.
Que inda a lembrança do vento
Me as move no pensamento
E eu tenho porque não há.
Eu amo tudo o que foi 
EU AMO TUDO o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fito-me frente a frente ( I ) 
Fito-me frente a frente,
Conheço que estou louco.
Não me sinto doente.
Fito-me frente a frente.
Evoco a minha vida.
Fantasma, quem és tu ?
Uma coisa erguida.
Uma força traída.

Neste momento claro, Abdique a alma bem !
Saber não ser é raro.
Quero ser raro e claro. 
Fito-me frente a frente ( II ) 
Fito-me frente a frente
E conheço quem sou.
Estou louco, é evidente,
Mas que louco é que estou ?
É por ser mais poeta
Que gente que sou louco ?
Ou é por ter completa
A noção de ser pouco ?


Não sei, mas sinto morto
O ser vivo que tenho.
Nasci como um aborto,
Salvo a hora e o tamanho. 
Eu, eu mesmo
Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços 
Quantos o mundo pode dar.
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito?  Incógnito?  Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado?  Sem dúvida...
Tenho um presente?  Sem dúvida...
Terei um futuro?  Sem dúvida...
Ainda que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu... 

Poema em Linha Reta 
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos.

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Os Antigos
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto
O vago alvor escuro com que a água resplandece 
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo 
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa!  ...
Sou Eu
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
 Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
 De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
 Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

 E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
 Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
 De haver melhor em mim do que eu.

 Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
 Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
 De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
 De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
 De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. 

 Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
 Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
 De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo
 A impressão de pão com manteiga e brinquedos
 De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
 De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
 Num ver chover com som lá fora
 E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

 Baste, sim baste!  Sou eu mesmo, o trocado,
 O emissário sem carta nem credenciais,
 O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
 A quem tinem as campainhas da cabeça
 Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

 Sou eu mesmo, a charada sincopada
 Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

 Sou eu mesmo, que remédio!  ...

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